A relação entre a reconciliação em Cristo do Salmo 21 e o Sacramento da Eucaristia

O que é Diálogo Inter-religioso?

TEXTO: DR. PLÍNIO MARCOS TSAI

FONTE: https://dominicanfriars.org/content/uploads/2015/11/rsz_all_op_saints.jpg

O Mistério da Cruz e a reconciliação entre Deus e a humanidade condenada e depois revivida em Cristo é o centro de toda a verdade revelada cristã e, consequentemente, está no centro também da Teologia revelada.

Não foi compreendida e surgida instantaneamente como se fosse uma revelação mística vinda diretamente de Deus, mas passou por um processo de descoberta progressiva e de sucessivas transformações com momentos doutrinários lógicos, filosóficos, retóricos e políticos.

Trata-se de uma realidade histórica e simbólica da experiência religiosa que busca pelo sentido da vida.

Seu início parece ser dar pela interpretação dos Evangelistas. Aqui temos os que foram considerados quatro sinóticos, sendo três por serem sóbrios em suas narrativas, e o quarto por ser um desenvolvimento conclusivo dos fundamentos de uma teologia cristológica (o Evangelho de São João).

Os três primeiros, dizem os especialistas, seguem uma fonte originária literal. E o Evangelho de Marcos se junta a esta fonte original que pode ser vista nos Evangelhos de Mateus e Lucas. É uma hipótese historiográfica de peso forte, mas não imbatível. Faz sentido e é razoável.

São Marcos também passa por este desenvolvimento histórico e investigativo, e pela tradição católica ele pode ser muito bem um discípulo de Cristo, um discípulo do apóstolo São Pedro e, atualmente, ele poderia até mesmo ter sido um dos filhos de São Pedro.

O que marca o Evangelho de São Marcos? O centro parece ser a experiência do abandono de Cristo na Cruz.

E a partir deste centro se formou uma tradição interpretativa centrada no Salmo 21, com o grito da morte de Cristo na cruz, que marca a resgate dos seres humanos.

Tudo isto ocorre seguido do simbolismo do terremoto, a quebra do solo do Templo, e o rasgar do véu que separava o Santo dos Santos, a realidade que separava Deus das pessoas comuns.

No entanto, precede o grito de Cristo a oração que todos os católicos romanos e não-romanos ouvem todos os anos, que rezam e repetem na Semana Santa, aquele clamor de Cristo: “Meus Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”.

Para quem não conhece o Salmo 21 (conjunto de textos sagrados que está localizado no conjunto de livros do Antigo Testamento) tem-se a impressão de que Deus realmente abandonou Jesus na hora da morte de cruz. Mas na realidade não é bem assim.

Quem já foi para Jerusalém, e foi até a Igreja do Santo Sepulcro, viu que a distância entre Cristo e sua família (sua mãe, Maria Magdalena, a irmã da sua mãe, e outras mães dos seus apóstolos e discípulos) e o apóstolo São João, é grande demais para se ouvir qualquer coisa com clareza.

Então, a menos que tenha ocorrido mais um milagre de Cristo não registrado, se trata de uma interpretação sobre as Sagradas Escrituras, particularmente sobre o Salmo 21 pelos primeiros cristãos que viram neste Salmo a horrenda cena do abandono. Aparentemente para quem não sabe.

Mas quem sabe e conhece por meio de uma leitura mesmo rápida do Salmo 21 também percebe que há um tom de esperança ali, de que Deus não abandonaria a pessoa jamais. E que aquele que sofre o aparente abandono se mantém na esperança de que Deus o socorrerá.

E fica claro que além da fé em Deus, da esperança do socorro, há também a caridade do amor por Deus. Então, estão presentes a fé, a esperança e a caridade, que são pilares do pensamento cristão e símbolo e realidade da experiência de resistência contra o mal que está no mundo.

O mal da morte, das doenças, como aquela da pandemia que ainda estamos lutando para vencer, do envelhecimento degenerativo, das frustrações, das violências, da fome, da pobreza material, espiritual e moral, da miséria corporal e intelectual, das guerras, das injustiças, da corrupção política de grupos, da enganação, da destruição ambiental, da fome, das perseguições religiosas, do preconceito religioso, do racismo, do xenofobismo, do desemprego, dos juros compostos elevados dos bancos, e tantos outros males que parecem uma lista sem fim.

Então, Cristo teria realmente sentido o abandono na cruz? De acordo com São Tomás de Aquino, o autor da obra central da Teologia Fundamental Católica Apostólica Romana, não. Ele teria sentido na sua parte menos elevada da alma, a parte humana, mas não na sua parte elevada que contemplava e tinha o tempo todo a visão beatífica de Deus.

Para Santo Agostinho, outro doutor da Igreja, também não porque o grito seria pelas pessoas humanas de todos os três tempos, mas não dele mesmo.

No entanto, ambos não negam a experiência do abandono de algum modo. Este abandono seria a experiência humana como que de um inferno que a pessoa tem ao se ver existencialmente separada de Deus e submetida a toda a espécie de mal. Na experiência da humanidade de Cristo abandonada por Deus na cruz, na injustiça, no mal, então, a tradição cristã viu a experiência da pessoa sendo reconciliada com Deus. Como? Por meio da experiência de Deus feito pessoa e experimentando o abandono como ser humano.

Fica claro que não é algo como uma experiência pessoal individual, mas uma experiência para o coletivo de todas as pessoas de todos os tempos e lugares.

Acontece que Cristo ressuscitou e depois de permanecer um tempo no mundo, ele passou novamente para a eternidade, sendo um dogma da Igreja a sua ascensão. Então a pessoa foi privada da presença de Deus novamente? De certo modo, o que fica é o Espírito de Cristo, um novo modo de pensar, uma presença divina inexplicável que guia as pessoas de todos os tempos no sentido do espírito dos ensinamentos deixados por Cristo aos apóstolos.

Isto forma a Igreja: o espírito de Cristo que vai até o pobre, o excluído, o deficiente, o leproso, o estrangeiro, o desempregado, o preconceituoso, o injusto, o desregrado moral, o malfeitor e o traz de volta do mal para a alegria do Espírito de resistência ao mal.

FONTE: Imagem de Sérgio Alexandre de Carvalho por Pixabay

A Eucaristia, o sinal sagrado (Sacramento), é na verdade sinal de santidade, no sentido de manutenção, cultivo e esperança de paz.

É o retorno da posição original da pessoa como cuidadora da natureza ambiental e dos animais. É o sinal do regresso da pessoa ao convívio de unidade com o Espírito de Deus, sem deixar de ser pessoa humana que vive no mundo.

Jesus deixou para as pessoas a Igreja, e ela se torna responsável não tanto pelo individuo, mas pela coletividade.

Uma coletividade que é feita de grupos com suas tendências próprias, mas guiadas pelo mesmo Espírito de resistência ao mal.

Na Eucaristia temos a forma divina e a matéria natural não divina.

É a fé de todos os católicos. A esperança de que o mal no mundo vai cessar pelo Espírito de Cristo. A caridade para com Deus que se expande em misericórdia pelos outros.

Não é apenas a ceia do Senhor, nem só uma memória dos momentos finais da vida de Cristo antes da sua ressurreição. Também não é fim em si, e não é oferenda a Deus apenas. Também não é só a substituição do culto divino judaico pela forma antropocêntrica cristã de culto.

É mais do que tudo isto. É a resistência ao mal que sai em missão. Uma resistência e uma força de transformação que confia no Espírito de Cristo, no Espírito Santo, o espírito de pacificação de todo mal.

É a reafirmação de que pela vitalidade de Cristo presente no pão e na água transformada em vinho, duas características fundamentais do alimento para a manutenção da força vital, o mundo pode ser transformado, a presença de Deus pode ser vista pela ação humana, e o Reino de Deus pode ser realizado pela fé, esperança e caridade.

A Eucaristia é o centro de toda a meditação cristã para o mundo, é o lugar do encontro com Deus no Espírito de Cristo, é o símbolo máximo da Igreja que resiste ao mal no mundo de maneira não violenta, mas transformadora pela força da proteção ampla e profunda de toda a vida.

É a força da vida que resiste a todo o tipo de mal e que espera em Cristo a transformação completa da sua natureza para fazer cessar completamente todas as espécies de mortes.

A Eucarística é o símbolo final do triunfo da força da vida.

A relação entre a reconciliação em Cristo do Salmo 21 e o Sacramento da Eucaristia Read More »